sexta-feira, 6 de março de 2009

CURRAL DEL REY

Esta é a cidade que eu amo
e recuso.

A cidade maravilhosa e
pervertida.

A cidade que me acolhe e me expulsa
para perto dela.

Esta é a cidade zoneada,
A cidade das cercas,
das trincheiras,
da Contorno: povo pra lá, elite pra cá.
Funcionários no meio.

Esta é a cidade dos homens,
a cidade dos sonhos,
a cidade possível.

Esta é a cidade de Aarão,
a cidade adventista,
a terra prometida da República.

A cidade confidente,
fuxiqueira,
rezadeira,
e farrista.

Este é o triste horizonte que marcou as retinas
do poeta da pedra e quem sabe fez dele
uma estátua mineral.

O belo horizonte que comportou a modernidade
a ponto de atrair para cá visionários e mercadores
com todos os seus talentos
e suas babas venéreas.

Esta é a minha cidade,
meu horizonte belo e triste
até não poder mais.

Este é o feudo da realeza,
o gueto da burguesia,
o burgo da tropa (sempre)
disposta à luta.

Este é a cidade medida e desmedida,
composta e desfigurada,
a cidade que ainda cheira a magnólia
entre vapores de carbono e sulfa.

A cidade que não escolhi
mas que se ofereceu aos meus desígnios
e encaixou-se ao meu destino.

Aqui é onde o Judas perdeu as botas
e eu atolei as minhas.

Esta é a cidade-laboratório
que divertiu os cansados da paulicéia
numa festa pândega que afinal se revelou
pura decepção: buscar o futuro em Minas?
Qual louco sonharia?

Esta é a cidade dos alarmes, das buzinas,
das sirenes - a cidade militar e hospitalar.

Esta é a cidade dos cães educados,
que esperam abrir o semáforo para atravessar na faixa.

Este é a cidade dos quatro cavaleiros do apocalipse.
A cidade dos artistas que vão embora fazer sucesso lá fora.

Esta é a roça grande onde os fazendeiros do interior
plantam rebentos que vão virar advogados,
médicos, engenheiros e, muito frequentemente,
residentes: voltar ao lar paterno para administrar
o café com leite da família.

Esta é a cidade viva que Mucchiut ponderou
com a cidade dos mortos.

Esta é a cidade dos botequins,
das moças bonitas
e das favelas urbanizadas.

A cidade que sonhou Paris
e acordou Macondo.

Esta é a cidade que me cabe,
e me concede loucos arrebóis.


quarta-feira, 4 de março de 2009

Naquele tempo os homens andavam inebriados por alguma estranha onda que parecia ter o poder de arrancá-los do inferno em que viviam. Teciam frases como quem dá ração aos porcos. Fabricavam orações. Idolatravam a palavra da salvação. Acreditavam piamente que o universo lhes daria o que desejassem com fé e que o sucesso lhes seria concedido na medida do seu merecimento. Não se esmeravam por merecê-lo. Exalavam o bafo de cavalos ocupados. Trotavam em direção ao breu do céu.