quarta-feira, 27 de julho de 2011

arte em transe

meu corpo em trânsito pelas ruas da cidade, minha imagem gravada na pintura dessa manhã luminosa, minha escultura exposta às intempéries, gotas de chuva ácida patinando o bronze da minha pele, minha sombra projetada na tela da noite insana, minha arquitetura em plena restauração, minha nudez em cena, minha figura inscrita na paisagem, meu olhar sondando alguma trilha incerta, meu gesto desenhando alterações de rumo, vontade de navegar à deriva e passar ao largo dos ancoradouros, ânsia de rasgar os mapas e me guiar pelas estrelas, meu ofício costurando a corrosão do tempo, minha trama em transparência, minha teia, meu tecido, minha vida em risco, minha arte caminhando para a urgência do nada absoluto onde mora a poesia sem palavras.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

EUTANÁSIA

Vamos firmar um trato:

se um dia o nosso amor desfalecer

e só sobrar no fundo uma palavra fria

por mais que pese a dor de nos perder

nenhum de nós tentar nutrir sua agonia

muito menos prolongar seu padecer

melhor a eutanásia súbita, a casa vazia

e o silêncio de quem fez por merecer

viver de amor pra não morrer.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

PRONOME PESSOAL RELATIVO

Acabo de eleger eu mesmo o meu pior inimigo. É eu que não me deixa ser quem sou. Eu que me vela os horizontes mais sonhados, eu que me culpa por crimes dos quais admito que participei mas não fui mentor, eu que me guia por caminhos que nunca desejei trilhar, eu que me faz mal e me desorienta, eu que me engana, me seduz e me destina ao inferno da minha vida, eu que me promete e não cumpre, eu que sempre me acena com aventuras impossíveis, me convida a ceias indigestas, me anuncia prêmios pelos quais sempre acabo pagando muito caro sem usufruir um naco de delícia, eu que faz de mim farrapo, que me enche de ilusão e me decepciona, eu que não sou eu, esse eu estranho de mim que me persegue e não larga do meu pé, eu imperador a me cobrar impostos que não tenho força para resgatar, tirano a me lembrar pecados que não posso redimir, eu filho da puta, sem-vergonha, cafajeste, eu mesmo que me habita e me possui.