terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

DEUS É O DIABO

Hoje amanheceu um belo dia vazio, propício ao consumo de ventos. O trânsito de automóveis não flui com a mesma normalidade. Ressaca de assassinatos. Nenhum pedido de resgate. Nenhum alerta ao corpo de bombeiros. A polícia descansa. Um homem sem ninho se recolhe no vácuo de notícias, reclama um decreto de calamidade, reza para que a qualquer momento despenque um avião dos céus e entre as vítimas se encontre um vago parente próximo. Liga a internet e nada, as mesmas de ontem. Abre a janela e nada. Tudo onde sempre esteve. Chama o elevador, compra um jornal na banca, vasculha as manchetes do dia e tudo insiste em não acontecer. Até agora nenhum registro de pane emotiva em sua vida calma e subalterna, mas aquele dia sem notícia estava irritante demais, até que uma dor insuportável colou-se à sua pele.
Sabe-se lá que alegrias e tristezas o acompanharão em seu retorno ao lar, tudo vai depender da sua vontade de voltar ao sítio onde se hospeda na estranha companhia de mulher e filhos, ou de vagar sem rumo mendigando um gesto benfazejo que dificilmente estará em condições de merecer de pessoas sensatas, tudo vai depender do conforto imaginado no colchão da sua casa temporária ou na sarjeta vitalícia da rua, às vezes é preferível cochilar ao relento a desmaiar sob um teto falso.
Entra no bar da esquina, pede uma cerveja para passar o tempo, experimenta uma nova marca de conhaque, observa a rua vazia, a copa das árvores imóveis, o cão malhado que cochila no meio do asfalto crente que hoje é mesmo um dia traçado para nada acontecer, até que um motorista embriagado pela monotonia desse dia resolve passar por cima do cão e o homem sem ninho pede a conta, sai a procurar um sítio provisório onde possa recolher-se com o som de ossos quebrados e um ganido lancinante que por essa noite não sairão de seus ouvidos e lhe darão motivo para virar mais um dia da sua vida e acordar amanhã cedo na esperança de viver grandes e fortes emoções que hoje infelizmente não aconteceram por mais que ele corresse atrás.

Um comentário:

  1. Muito bom seu texto, lúcido e poético, transparente e obscuro. Seguir-te-ei publicamente a partir de agora.
    Um abraço!

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