MÚSICA
A maravilha dos ritmos eternos,
apurada poesia: eis o que quero.
Nem show, nem chororô de sax,
nem pandeiro, quero o som inteiro
inclusive o mítico silêncio
tilintando vidros e
corcéis
atropelando ventos.
S.O.S.
Perdi
teu endereço. Bati na porta de ontem e não estavas lá, te busquei na casa do
amanhã e só achei teu rastro, liguei no celular, deu fora do ar, preciso te
encontrar em algum lugar incerto, nada urgente, é que estou perdido no
presente, por favor ativa o chip e me deixa rastrear a tua elipse, milhões de
anos-luz me fazem te querer perto de mim.
CONTABILIDADE
Hoje não tenho
nada.
Vou juntar
dinheiro
Vou juntar
coragem
Vou juntar amor.
Um dia gasto
tudo de uma vez.
SE EU FOSSE VOCÊ
brigava com ela saía pelado
tomava cachaça fazia arruaça pisava na bola entrava de sola cortava o barato
sentava o cacete batia na cara cagava na moita falava rasgado rasgava o
contrato baixava um decreto cobrava pedágio
pulava esse muro virava essa mesa soltava os cachorros armava um banzé
soprava a fogueira ficava uma fera tacava pimenta criava um rebu tocava punheta
tomava no cu amarrava essa égua fumava maconha mijava no tanque metia a colher
cantava de galo trancava com chave roía essa corda fazia pirraça pulava do
oitavo tomava mais uma ficava na boa pensava direito botava uma pedra tentava
esquecer passava por cima tirava de letra matava no peito jogava pro canto
deixava pra lá partia pra outra pegava essa estrada sumia no mapa saía correndo
ficava mais calmo pintava esse rosto mudava essa cara passava batom usava
colírio não dava bandeira fazia checkup pegava no sério tocava um negócio abria
um boteco comprava uma casa plantava batata nadava de costa deitava na cama
rolava na fama transava uma ioga gozava essa vida matava essa aula ligava essa
trompa tirava essa roupa entrava na dança botava mais fé andava no vácuo
voltava pra casa mudava o canal não dava conselho virava esse disco calava essa
boca fechava a matraca parava com isso
SOTURNO
Queria ser alegre
por um dia.
Gozar um
dia inteiro de alegria.
Ao menos
por um dia me podia suceder
o claro da
alegria
me levar
onde eu queria
e não
podia.
Pelo menos
por um dia a alegria
- ainda que
tardia.
Por um dia
- quem diria!
eu seria
dono da alegria.
Eu com ela,
ela comigo
por um dia,
só um dia
todo cheio
de alegria.
Isso me
bastaria.
Sonhar
demais, seria?
Nada mais
sucederia
nesse dia.
Só alegria.
No outro
dia eu voltaria
ao normal
de todo dia,
com uma baita
saudade da alegria.
uns
UNS CLARO OUTROS PENUMBRA UNS CACO OUTROS FIAPO UNS FIBRA
OUTROS LASCA UNS TECIDO OUTROS PAU UNS VIDRO OUTROS FILÓ UNS OPACO OUTROS
TRANSLUZ UNS QUIMERA OUTROS CONCRETO UNS CAOS OUTROS ACASO UNS INTERNO OUTROS
EXÍLIO UNS NÓ OUTROS ENLACE UNS PAZ OUTROS REVOLTA UNS ORDEM OUTROS CAOS UNS
ENCONTRO OUTROS ADEUS UNS ACHADO OUTROS PERDIDO UNS ALÔ OUTROS ABRAÇO UNS FOGO
OUTROS ÁGUA UNS DESTRO OUTROS SINISTRO UNS LOCAL OUTROS ALHURES UNS TERRA
OUTROS MAR UNS PEDAÇO OUTROS MIGALHA UNS MIDIA OUTROS ARTE UNS TEMPO OUTROS
ESPAÇO UNS FAZER OUTROS PENSAR UNS TESE OUTROS OFÍCIO UNS COMEÇO OUTROS FINITO
UNS NUNCA OUTROS TALVEZ UNS CÉU OUTROS ABISMO UNS TUDO OUTROS NADA UNS AMÉM
OUTROS PORÉM UNS AGORA OUTROS MEMÓRIA UNS ASSIM OUTROS ASSADO UNS QUERER OUTROS
PODER UNS ARDÊNCIA OUTROS SILÊNCIO UNS OUTRO OUTROS UM
e outros
ARTE EM TRANSE
meu corpo em trânsito pelas
ruas da cidade minha imagem gravada na pintura dessa manhã luminosa minha
escultura exposta às intempéries gotas de chuva ácida patinando o bronze da
minha pele minha sombra projetada na tela da noite insana minha arquitetura em
plena restauração minha nudez em cena minha figura inscrita na paisagem meu
olhar sondando alguma trilha incerta meu gesto desenhando alterações de rumo ao
largo e à deriva dos ancoradouros ânsia de rasgar os mapas me deixar guiar
pelas estrelas meu ofício costurando a corrosão do tempo minha trama em
transparência minha teia meu tecido minha vida em risco minha arte caminhando
para a urgência do nada absoluto onde mora a poesia sem palavras
SANS PAROLES
Apenas um canto sem palavras nesta hora vaga.
Voz que não se pronuncia: um sopro.
Te perdi pela palavra? Estou perdido.
Procuro loucamente um verbo intransitivo,
absoluto,
que depois dele sobrevenha a calma,
e o silêncio.
DESISTÊNCIA
Melhor
não tentar consertar as trincas
desse
mundo imperfeito.
Tudo
já nasce fadado a dar defeito.
GHOST LOVER
Cuidado:
meu desejo te rastreia.
Pura fome de mim mesmo:
vontade de me devorar.
Palavracanto
No canto da palavra
Toda palavra canta
Todo canto é uma mensagem
quer dizer alguma coisa
ecoa na noite densa
Uma promessa de vida
Uivo de lua cheia
Um desafio de morte
Palavra que tange o tímpano
E impressiona a retina
Toda palavra é canto
Todo canto, uma palavra
Uma risada no vácuo
Quando a noite vira dia
Um ronronar de alegria
Um grito de meter medo
Uma surpresa, um encanto
A palavra no seu canto
Qualquer som se denuncia
E dá notícia do tempo
Tem gosto, tem cor, tem hora
Tem função, tem serventia
Nada existe sem motivo
Pois toda palavra soa
Até as pedras entoam
A frase dos seus arpejos
Tudo grita em partituras
Até o som do silêncio
Sonha com sinfonias
Só uma palavra cala
Como bem disse Cecília
Aquela que me devora
A dura palavra que entala
No inferno da minha boca
E faz de mim um triste
poeta gago.
MOTIVAÇÃO
Pode
me ligar, não vou te devorar.
De
todo o meu querer sobrou apenas
um
farelo, uma migalha de paixão.
Agora
é só ternura e compaixão.
Hoje
vivo sem qualquer obrigação.
Pode
me chamar, não vou te assediar.
Só
quero degustar a luz do teu olhar.
Parar
de te querer me trouxe a paz.
Me
sinto zen, imóvel, calmo,
quase
morto.
RUPESTRE
Sonho juntar em mim todas as
outras partes
desgarradas de mim,
partículas do meu inteiro
particular,
Matéria do meu sangue,
que me nutre, que me cresta,
me dá sede.
Hoje não tenho idade, acho
graça de viver.
O tempo inscreve em minha
pele tristezas
e alegrias rupestres, rugas de todas as eras.
A poeira é terra dando
adeus.
Mas é do barro que se faz
meu sonho:
de esperar a chuva.
GEASA (Livre Tradução)
“Geasa é ou uma injunção ou uma praga ou
encantamento rogado em alguém, geralmente por uma
bruxa, sábia ou fada,
e que impede a pessoa, sob pena de terríveis conseqüências, de levar
a cabo uma determinada ação ou uma série de ações,
até que um conjunto de condições
específicas tenha sido preenchido. Essas condições estão muitas vezes fora do controle
da pessoa sobre quem pesa o sortilégio. A geasa é um recurso comum em todas as velhas
lendas irlandesas, especialmente
nas do Red Branch [Ramo Vermelho] e de Fionn e Fianna”.
Ela me
convidou a subir no seu barco
e navegar
com ela pela noite escura.
Remava
firme pelo rio afora e seus olhos refletiam
a luz de um
par de velas que alumiava a noite.
Não quis
dizer de onde vinha nem aonde ia.
Perguntei
onde morava e ela quis me confundir:
apontando
para o Oeste disse: Leste.
Concedeu-me
três conselhos:
jamais
comer duas refeições na mesma mesa,
não passar
duas noites sob o mesmo teto,
nem ir para
cama duas vezes com a mesma mulher.
Desafiou-me
a jogar com ela e ganhou todas.
Sumiu num
rastro de luz e me largou na margem.
Deixou
comigo o par de velas
e dois
remos inúteis.
Versão livre sobre poema de Nuala
Ní Dhomhnaill (Irlanda do Sul), traduzido por Medbh McGuckian (Irlanda do
Norte), in “A tradução na negociação do conflito histórico: sul via norte, o
irlandês através do inglês”,
Jean Andrews, Tradução de Myriam Ávila, de uma velha lenda celta escrita em idioma gaélico.
DESERTO
É certo que às vezes a sede
me assalta.
Não por acaso estudo a arte
dos camelos.
Confio na predição dos
salmos: nada me faltará.
ALERTA AOS
ANIMAIS BIPOLARES
Nada de perder a compostura.
A lei pede simetria, doido é
quem não se ajusta.
Nem pense em perder o prumo,
vestir camisa de força,
muito menos terapia.
Cabeça no lugar, irmão.
Vê se entende a biologia:
tudo se alinha ao seu
duplo.
seu estado é bipolar.
Mas não despreze a gravata,
É ela que te mantém
entre a esquerda e a
direita,
no justo caminho zen.
Ela é o fiel da balança
Mantém o homem ereto
No centro da confusão.
CURRAL D’EL REY
Esta é a
cidade que eu amo
e
recuso.
A cidade
maravilhosa e
pervertida.
A cidade
que me acolhe e me expulsa
para perto dela.
Esta é a
cidade zoneada,
A cidade
das cercas,
das
trincheiras,
da
Contorno: povo pra lá, elite pra cá.
Funcionários
no meio.
Esta é a
cidade dos homens,
a
cidade dos sonhos,
a cidade possível.
Esta é a
cidade de Aarão,
a cidade
adventista,
a terra
prometida da República.
A cidade
confidente,
fuxiqueira,
rezadeira,
e farrista.
Este é o
triste horizonte que marcou as retinas
do poeta da
pedra e quem sabe fez dele
uma estátua
mineral.
O belo
horizonte que comportou a modernidade
a ponto de
atrair para cá visionários e mercadores
com todos
os seus talentos
e suas babas
venéreas.
Esta é a
minha cidade,
meu
horizonte belo e triste
de não mais
poder.
Este é o
feudo da realeza,
o
gueto da burguesia,
o
burgo da tropa (sempre)
disposta à luta.
Este é a
cidade medida e desmedida,
composta
e desfigurada,
a cidade
que ainda cheira a magnólia
entre
vapores de carbono e sulfa.
A cidade
que não escolhi
mas que se
ofereceu aos meus desígnios
e
encaixou-se ao meu destino.
Aqui é onde
o Judas perdeu as botas
e eu atolei
as minhas.
Esta é a
cidade-laboratório
que
divertiu os cansados da paulicéia
numa festa
pândega que afinal se revelou
pura
decepção: buscar o futuro em Minas?
Qual louco
sonharia?
Esta é a
cidade dos alarmes, das buzinas,
das sirenes
- a cidade militar e hospitalar.
Esta é a
cidade dos cães educados,
que esperam
abrir o semáforo para atravessar na faixa.
Este é a
cidade dos quatro cavaleiros do apocalipse.
A cidade
dos artistas que vão embora fazer sucesso lá fora.
Esta é a
roça grande onde os fazendeiros do interior
plantam
rebentos que vão virar advogados,
médicos,
engenheiros e, muito frequentemente,
residentes:
voltar ao lar paterno para administrar
o café com
leite da família.
Esta é a
cidade viva que Mucchiut ponderou
com a
cidade dos mortos.
Esta é a
cidade dos botequins,
das moças
bonitas
e das
favelas urbanizadas.
A cidade
que sonhou Paris
e acordou
Macondo.
Esta é a
cidade que me cabe,
e me
concede loucos arrebóis.
blue note
Havia promessas de uma eterna vida em movimento
e o que veio era uma vigília tensa, de gesso.
Um passo, salto, no sulco do tempo -
a corda do tempo percutida -
sem sono, sem pausa.
Aquela velha dor que a uns interna,
a outros expatria.
Eu me perguntava: a vida é isso?
Procurava rostos amáveis.
E andava olhando o chão à cata de moedas perdidas.
Ausência
Tudo o que me falta sempre esteve ao meu alcance.
Se eu quisesse era só querer:
estender a mão num lance
e recolher
o trigo que me cabe,
o afeto que se encerra
pronto e acabado.
Mas me consola a morbidez do impossível:
aquele ar superior de quem acaba de engessar a perna
e olha o infinito com tédio.
(ou: aquele papo de que tudo está escrito
para cumprimento dos otários)
O que me mata mesmo é o que
ficou sem trato,
o que sobrou do parto anunciado
e abortado,
pois não era o tempo
de existir
em cena
e ato.
Nesse mundo não se mexe:
o mundo se mexe.
A gente se ajeita.
No ar,
querendo pouso,
enquanto (tudo)
não explode (tudo).
psi
Depois de Freud
e da psicoterapia
não tem escapatória:
cada louco com sua nomia.
Eu, por exemplo, descobri:
sou um neurótico normal,
me tranquiliza o trivial.
Achar, achei, mas não me felicita.
Procurava o Deus total
e, quando muito, encontrei
um deus que caga.
holograma
Daqui deste ponto
de vista o dia
se move, desperta
a noite de dentro
(centro azul de lantejoulas)
derrama a luz da
palavra
na
trama
do
tempo
das
cores.
Primeiras impressões de um destino imaginário:
crepúsculo de outubro tilintando brilhos,
ilusões do círculo concreto,
vibrações, quimeras, arco-íris
A imagem é um fato
(como o jasmim de certas noites)
eclipse dos sólidos na constelação do espaço
e uma nítida revelação:
os objetos do meio
ambiente
apenas copiam suas
sombras.
Debaixo do sol
O dia entra
pela fresta e eu sigo imerso na noite insone.
Mercês
Nas vilas cruas
se cozinham cérebros
em banho morno, e
nada concerne:
vaga por ali um nativo estranho
que nas horas plenas quer gritar
não sabe o quê,
apenas quer gritar para agitar
as copas das árvores
i m ó v e i s.
sincera blitz
Tenho por dito e revelado
tudo o que sei de ti
e nunca foi pronunciado.
Por isso tu me estranhas
e eu te trato com tanta intimidade.
No teu caso - e só no teu caso - prefiro o gesto,
toque de mão ligeiro, sonhos de reggae e valsa.
Lanço-te um olhar de puro assombro.
Tudo é palco-máscara.
No nosso caso,
o lixo a reciclar é maior que a matéria a ser inventada.
domingo
meu coração festeja:
tua gargalhada gralha
tua calma
a luz nascente da manhã
a voz de Ana e Marina
- palavra e canto -
tua nervosia
parentes chegando e saindo
e o vácuo da tarde.
meu coração tem pena
das criaturas que não querem aprender
nem ensinar.
Bel
O jeito de Bel andar é uma aula de suavidade.
Ela veste panos leves e sandálias franciscanas
para não perturbar a trilha das formigas
e o tímpano das ratazanas
no subterrâneo das ruas.
Não desfila, nem ostenta.
Apenas se sabe que ela existe
porque ali está,
quase transparente,
no cenário da cidade,
dando banda de tédio
e resignação.
Jóia rara entre a gala dos turistas
que transitam por ali
na trilha dos inconfidentes,
mal enjambrados
e famintos.
Declaração de Amor
a Ana Maria do Céu
Pouco ver-te não é triste.
Pungente é tua ausência
quando a vida dá sinal de vida
e não te tenho ao meu lado.
Onde estavas, meu amor,
quando Maria do Céu me encantou
- e eu só pensava em ti?
Onde andavas, amor da minha vida,
quando Maria Parda me fez chorar
- e me perdi longe de ti?
Foi muito demais para eu sozinho.
extremunção
Parte em paz, século XX, vai:
encara tuas vítimas no limbo temporal,
apresenta-te ao grande Deus com tuas caras,
metade luz, metade trevas.
Contempla a face esquálida da fome e da miséria,
teus legados,
passa em revista o exército dos mutilados,
responde à continência dos feridos,
conta teus mortos, século XX !
E não temas o ardor de tua culpa:
não será mais terrível que a tortura, o degredo,
a prisão de teus dias,
o apocalipse de tua sanha progressora.
Homens crentes te chamaram século das luzes,
e eu concordo.
Em mim ainda lampejam hiroshimas e napalms,
mísseis luminosos sobre o deserto das almas,
cidades frias de neon e pólvora.
Ah, século do progresso!
Anunciaste a cura de teus males
e te despedes envolto em cânceres ocultos,
sorrateiras síndromes de pânico e malignidades
em gigante escala.
Vai, despede,
faz o rito da passagem.
Quem sabe o XXI, teu filho,
prefira Dioniso a Marte?
Insulas
Tuas ilhas são paradionisíacas.
Tens o condão de envolver-me em turbilhão.
É isso: uma paz sem sossego.
Os objetos flutuam em tua órbita,
só me resta levitar
em tua companhia.
Contigo o mundo não pára.
No máximo, fica suspenso.
Preciso te ver assim:
séria assim,
malandrinha assim.
Juliana
primeiro encanto: teu cabelo
segundo encanto: teu sorriso
terceiro encanto: teu silêncio
puro encanto: tua palavra
E digo mais:
teu cabelo espiga
teu sorriso puro encanto
teu silêncio observante
tua palavra solunar
Pede mais tua beleza:
teu cabelo semeando vento no meu rosto
teu sorriso me fazendo ser feliz
teu silêncio me ensinando coisas
tua palavra me calando fundo.
E mais não digo,
para não me apaixonar.
Reveillon
Vi nascendo sorrateira
a erva de uma nova tirania
disfarçada em algodão e lenitivos.
Bandida como nunca vi.
Vi a máscara do bem cobrindo faces horrorosas,
risos amarelos onde só cabia o esgar do sofrimento.
Vi os ratos corroendo as rendas.
Vi os homens sublimando a vida.
Vi prefeitos e juízes leiloando votos,
fomentando assassinatos,
convocando o povo ao mutirão da cidadania
e faturando horrores no festim dos democratas.
Vi seres humanos sob o jugo de um poder insaciável,
descarado, inominado, inalcançável pelos tapas da revolta.
Não há mal que sempre dure.
Sem sucesso, fica o sucedido.
de susto, de bala ou vício
para Vadim
Um homem equilibrado.
Um homem que vê uma estrela e diz: estou vendo uma estrela,
logo estou vivendo.
Um homem que ainda não morreu,
que diz bom dia para saber que ainda não morreu e se aniquila
diante do dia bom e claro e belo e grande.
Um homem sem rosto pousado em calma sobre uma colcha de retalhos.
Um homem em retalhos, olhos de mosca multifacetados,
cego-sensitivo.
Homem nenhum - nenhuma figura - apenas manchas na retina.
Um homem que poderia fazer milagres mas não pode.
Um homem lispector encalhado numa palavra-pedra,
perdendo anos e anos de vida por isso.
Um homem que ouve e lê e vê todas as palavras em todos os lugares:
um homem em busca de revelações.
Um cavalo pastando.
Um bode de óculos aparando a grama do campo de golfe,
quem diria!
Um homem esperando na janela como uma virgem do interior:
olhando a lua apaixonado e louco.
Tesouro
Sei muito
bem
que te
apresentas
para mim
com tuas
semijóias
e guardas
no cofre
as gemas de
valor
legítimo.
Não faz
mal.
Estamos
nesse palco
e é assim
que se compõe
a cena.
Eu de cá já
te mostrei
tudo o que
posso.
Não sei
porque tu desconfias
que mais
tenho
e não te
dou.
Vesperal
para Ni
Longos dias e noites eu ouvi estarrecida
maravilhas e misérias eloquentes.
Meu semblante congelava o riso,
tecia músculos dormentes
entre o espelho e a espada.
Longas horas eu gastei me devorando de mistério e culpa,
bolinando o feminino rejeitado em líricas lembranças
e promessas pérfidas.
À minha frente, o macho em plena onipotência,
fragilíssimo,
quebrável em mil cacos de demência santa.
Longa estrada percorri sedenta de mim mesma,
estranha de mim mesma,
nula e plena.
A sabedoria, a calma, o movimento, onde andavam?
e por que me abandonavam nessa estrada triste?
Eu, que era doce, me amarguei e fui tentada
pelas artes da esperteza.
Dentro de mim talvez morasse há muito tempo
um duende mórbido.
Foi quando coloquei de molho minhas barbas,
tripulei embarcações do coletivo, inconsciente,
revirei baús de antigos mapas.
Novos rumos apontaram para a ilha do farol
em pleno mar mediterrâneo, eu náufraga.
De repente, brotaram palavras duras,
um jorro incontrolável de memoriais palavras
querendo nascer a qualquer custo,
a forceps, marreta, dinamite, qualquer jeito
que me libertasse para sempre deste jugo insano
e projetasse em minha vida outra vez, de novo,
o sentimento do mundo, vasto mundo.
ALECRIM
(para Alex)
Há os que acham tudo divino.
E os que enxergam a mão do
demo
em toda parte.
Eu convivo com deus e o
diabo
na terra do sol.
Acho tudo maravilha,
enxofres e jasmins.
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