quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

CARTAS

Setembro/2001

Caro Totonho,

Feliz em saber que deu tudo certo. Por mim, nunca tive dúvidas sobre o poder emanancial das petúnias sobre o nosso programa de qualidade. É realmente incrível como, a cada dia, Margarida grita mais baixo e Afonso consegue encaixar o chapéu no cabideiro a 6 metros e quarenta centímetros de distância. Sabe o que isto significa? Que a camada de ozônio não perde a mania de filtrar os átomos de angustura com uma voracidade espantosa. Jamais esquecerei o dia em que o nosso Lopes adentrou o cenário com os olhos esbugalhados e aquelas orelhas de ébano, prognosticando o advento das hordas budistas sobre o viaduto das almas. Vocês riram, mas eu, no íntimo, sabia que o nosso Lopes tinha um encontro marcado com o chupa-cabra naquela mesma noite e por ele foi abduzido. Deu no que deu e hoje vocês todos sabem que a vida é muito maior do aquele buraquinho no sofá da Jussara. Não deixe de me posicionar sobre o ciclo das amnésias, OK?


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Agosto/97

Amigo Pereira,

Segue o material que lhe prometi para observar o cio dos pernilongos. A lupa só funciona se você pingar duas gotas de nanquim em cada olho vivo. Em casa alugada, feche a cortina da janela das crianças que é por onde esses coleópteros de bico fino preferem escapar no inverno. Se for verão, ligue o liquidificador e bata duas claras em neve, espatule as paredes da sala do vizinho e leve o seu bichinho de estimação ao shopping mais próximo. Nunca – mas nunca mesmo! – ouse operar sob lâmpadas halógenas. Os resultados poderiam ser percebidos em Singapura. Prefira sempre o estrôncio para determinar a distância entre o ápice das asas e cuide de incensar a imagem de nossa senhora escondida no relógio da cemig. Já ia me esquecendo do mais importante: o Hermes vai passar manteiga no buraco das fechaduras antes de tudo começar. Qualquer dúvida me ligue.


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Fevereiro/2003

Antônio Victor meu bom,

Além disso, tem outra coisa: sempre que entra pelos meus ouvidos o batuque de um pedreiro martelando o tacho fumegante de goiabada cascão, me emociono às lágrimas. Penso nos pobres japoneses que criam leitõezinhos em prédios de 18 pavimentos. Lembro de vovó Isaura e seu vestido de seda transparente, deixando entrever a ponta dos mamilos pretinhos. E, acima de todas as coisas, me dou conta de como deus é enorme em suas faculdades de fim-de-semana, em Lafaiete ou Divinópolis, forjando advogados de porta de cadeia com a missão de promover a cidadania renascentista que todos admiramos com fervor. Não dá outra: é ouvir Carlinhos Brown no toco do meu redifone e a vida volta ao seu curso, anus beliscam carrapatos no dorso das vacas, sirenes enchem a noite de alegria e meninas de rua mijam nos canteiros da nossa jovem capital. Ainda bem que tem remédio pra tudo. Me avise quando Jonas vomitar.

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Dezembro /2002

Suzana Querida,

A torre de Pizza acaba no deserto de Catamarã. Quando penso nos anos que perdi tentando compreender o meu professor de trigonometria dá vontade de mergulhar no Arrudas e sair lá na frente, nas ilhas virgens do Mingu. O problema é que eu teria que braças léguas rio acima e meu médico continua afirmando categoricamente que o único exercício que me posso permitir é pastel de angu. Obedeço, contrariado, mas obedeço. Aprendi desde criança que os mais velhos não são assanhados por acaso. Ao contrário, têm bons motivos para agir assim, babando nas coxas das mocinhas e fritando minhocas em caçarolas de chumbo. É como dizia Percília em seus momentos de fúria: as armas assinaladas não fazem a virtude dos barões nem são capazes – nunca serão! – de erguer impérios em proveito próprio, mas sempre na perspectiva do admirável mundo que já começa a amarelar na linha do horizonte, trazendo consigo bandos de gansos destramelados cuja íris refrata o espectro de Netuno. Concordo plenamente.

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